Monday, April 25, 2011

Será que gosto mais de bicho que de gente?

Desde de o advento da Internet em minha vida, quando passei a ter contacto com mais pessoas que se dedicam ao resgate de animais, ouço essa pergunta, que emerge sempre como decorrência de sentimentos de culpa e de inadequação social: "Por que gosto mais de bicho que de gente?" Os psicólogos e os que são indiferentes a bichos, prontamente afirmam que somos pessoas que não se identificam com a própria espécie, ou que têem sérios distúrbios de ajustamento social.

Ora, mas é claro que amamos as pessoas! Todos nós, esses "esquisitos" que tanto incomodam a Humanidade, fomos crianças que amaram e amam profundamente seus pais, irmãos, avós, tios... e depois crescemos e vieram os amigos, namorados, maridos, esposas, filhos. Amor é o que nunca nos faltou ou foi preciso ser ensinado. Mas em algum momento de nossas vidas, talvez pela não reciprocidade desse amor, em decorrência de perdas de entes queridos, ou mesmo em conseqüência da falta de ferramentas emocionais pra se lidar com as mais diversas adversidades da vida, voltamos nossos olhos e corações para quem está sempre receptivo e pronto para amar: os animais de estimação. A experiência é extremamente gratificante e logo passamos a "notar" o que nossa espécie vem fazendo com todos os outros animais.

Em nossa sociedade, há estereótipos como o da "solteirona que não arruma marido porque só lhe interessa cuidar de cachorros", da "velha louca que tem 20 gatos", da " lunática que alimenta os pombos" e tantos outros estereótipos de discriminação, que caracterizam a falta de tolerância da espécie humana com todos aqueles que não correspondem as suas expectativas, baseadas em padrões e crenças seculares, que atrasam o nosso progresso moral.

A nossa civilização é resistente a mudanças, porque mudar implica em renunciar a hábitos, o que, em geral, causa bastante desconforto. Mas amor incondicional, também requer renúncia. Então vamos empurrando nossa evolução com a barriga, geração após geração, século após século, cercando-nos com a sensação de segurança das tradições, que mantém os indivíduos anestesiados e em cumplicidade, acabando por não saber como utilizar a própria originalidade que caracteriza a individualidade de cada um. No Natal, por exemplo, uma tradição voltada para a confraternização, compaixão, caridade, as ceias são repletas de cadáveres de animais que foram impiedosamente abatidos. Às vezes sugerimos receitas vegetarianas a um amigo e imediatamente se levanta o escudo de defesa : “Ah, mas Natal sem peru não tem graça". E, em nossa consciência, já um pouco desperta, entendemos: "Natal sem matar não tem graça". E então, nossa "esquisitice" piora na festa do Natal e viramos a chatice da festa. A consciência vem junto com responsabilidade e já não e’ mais possível ficarmos indiferentes.
Da mesma forma que os protetores de animais são marginalizados, também são os homossexuais, os velhos, e tantos outros grupos sociais . Assusta-me o fato de vivermos numa sociedade que se denomina "espiritualista", que acredita estar se aperfeiçoando moralmente e seguindo os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda, os Mestres da Nova Era, etc., mas que ainda não percebeu que, para que haja efetivamente desenvolvimento moral, é preciso se acabar com o especismo.

O ser humano, como tantas outras espécies, é um ser social. Precisamos de reafirmação positiva, precisamos nos relacionar com seres da mesma espécie, de exemplos com os quais nos identifiquemos. Mas quando nos tornamos conscientes do sofrimento de outras espécies, aquela nossa vizinha caridosa que faz campanha pelos pobres, mas que abandona o próprio animal de estimação porque ele está muito velho, não mais nos serve de exemplo. E quando ficamos conscientes da brutalidade que envolve uma comemoração em volta de uma churrasqueira, pouco a pouco vamos nos tornando anti-sociais. É como se perdêssemos o referencial da nossa própria espécie. No são as pessoas que nos fazem mal, mas sim, nossa consciência da contradição humana, de se ser uma pessoa de bem e ao mesmo tempo compactuar com a brutalidade do sacrifício de um animal, ao saborear sua carne, completamente alheio ao sofrimento causado a essa pobre criatura. Essa disparidade é uma violência a nossos princípios, o que acaba nos distanciando de nossa própria espécie, fazendo-nos pensar, equivocadamente, que " não gostamos de gente".

Seja qual for a trajetória que tenhamos caminhado pra chegar aonde chegamos, ela tem um propósito. Acredito que nos tornamos menos sensíveis ao sofrimento da nossa espécie, porque alguém precisa gritar pro mundo que os bichos, que são seres sensientes, não podem mais ser tratados como objetos descartáveis. Acabamos “economizando" nosso amor por pessoas, pra que, ao concentrá-lo, possamos por foco para nos animais, que também necessitam de caridade e que são brutalmente renegados e vitimizados de forma inimaginável, todos os dias.

"Mas vocês em vez de cuidar de gato, deveriam estar cuidando de crianças". Esse é o "contra-ataque" mais comum que nos fazem. Às vezes tratamos animais como se fossem crianças, pois eles têem a mesma capacidade de percepção que crianças humanas e isso e’ Ciência, não especulação. E não fazemos diferença se são feios, se cheiram mal, se estão doentes ou sãos. Aceitamos nossa missão com amor, enfrentamos dificuldades financeiras, preconceito e, muitas vezes, o abandono de alguns amigos, que não conseguem compreender nosso padrão comportamental. Nosso trabalho não é voltado para as crianças, mas somos peças importantes na engrenagem do desenvolvimento moral das próximas gerações de crianças. E, também, é a capacidade de amar incondicionalmente, que fará com que, no futuro, milhões de crianças rejeitadas por sua aparência sejam adotadas. No mínimo, então, estamos dando um bom exemplo.

O que ama incondicionalmente, não cria limites de comportamento como condição para o amor, não escolhe raça, orientação sexual nem especie.
Enquanto virmos nossos semelhantes se lambuzarem com churrascos, bradando que os animais nos foram "dados" por Deus  pra serem usados, enquanto se maldizem a união de amor verdadeiro entre pessoas do mesmo sexo, enquanto se desprezam os menos privilegiados intelectual e economicamente,enquanto houver racismo, os que  têem uma fagulha de consciência e conseguem ao menos compreender que se faz mister exercitar a compaixão por todos os seres, acabam por perder parte da conexão natural com a própria espécie. Porque se a Humanidade, em geral, já tivesse vivenciado o despertar dessa consciência, não punha carne no prato. Esse singelo ato de compaixão, é a maior prova de comprometimento com o bem de todas as criaturas. Seria, também, uma esperança para crianças que morrem de fome neste mundo, pois a quantidade de grãos usada para alimentar o gado, poderia acabar com a fome do Planeta.

Essa "superioridade" que a nossa raça humana se atribui, é que nos causa tanta angustia. A raiva que sentimos, não é dos outros, mas da nossa própria impotência em não ter a habilidade de fazer com que mais pessoas enxerguem a profundidade do erro que estão cometendo, e da nossa impotência pra lidar com esses mesmo demônios dentro de nos mesmos, pois somos humanos e todos nos flutuamos entre erros e acertos, assim como sentimentos preconceituosos. Os defensores dos animais são atacados porque sua vulnerabilidade esta exposta.

Outra afirmação comum é " vocês tentam salvar os animais, porque perderam auto-estima e não conseguem salvar a si próprios". Pensei bastante quando ouvi essa frase e há muita verdade nisso. Pra haver dedicação e amor sem se esperar nada em troca, às vezes é preciso se gostar mais do alvo de nosso amor que de nos mesmos. E , apesar de estar longe, muito longe de comparação com eles,  já que há vários níveis de abnegação, pensei na Madre Teresa de Calcutá, no Chico Xavier e tantos outros abnegados. Analisando sob a perspectiva de um psicólogo, eles seriam pessoas com "problemas", porque não tinham "auto-estima". Nunca se importaram com aparência, sempre deram sem querer receber. Pensei, também, no pintor Van Gogh, rotulado de louco por seus contemporâneos, deixando-nos em seus legado um retrato majestoso da tempestuosa natureza da alma humana, que nos propicia tantas reflexões . E em pais que após perderem um filho, passaram a dedicar todo tempo livre ao bem-estar de crianças abandonadas, deixando pra trás viagens, festas e a compra de objetos caros. Então pergunto: se era esse o propósito da vida deles, quem somos nos pra julgar a CAUSA que os levou a se tornarem pessoas que se importam com outros seres? Que diferença isso faz ? O mundo precisa de pessoas assim! Então, que tal pararmos de criticar ou de sentir pena de quem abdica de certos prazeres em prol de outrem? Nosso carater e’ moldado pelo que aprendemos em nossa trajetória de vida. E cada trajetória e’ o que nos permite sermos caracterizados como únicos. Se pra entender que os animais precisam de nós, precisamos passar por rejeição, abandono e perdas, aceitemos esses fatos como bencaos "molda-carater". Se você se sente bem como e’, apesar de criticas, então e’ porque e’ assim que tem que ser.

Não tenhamos medo da nossa originalidade. Não nos intimidemos com ataques, nem com nossa sensação de ter perdido o amor pelo próximo, porque esta é, acreditem, apenas uma sensação. Estamos todos conectados e enquanto tratarmos os animais como uma peça de mobília descartável, enquanto o sangue e os gritos dos animais abatidos for ignorado, enquanto os animais estiverem sendo cortados vivos nos laboratórios, enquanto as peles dos animais que são afogados e eletrocutados forem "peças de roupa", nós vamos continuar sendo uma pedra no sapato da maioria dos nossos "colegas de espécie" que estão em estado de dormência e ainda não interiorizaram a realidade.

Se queremos um mundo melhor, temos que nos manifestar pelo fim da síndrome de superioridade da raça humana. Não vejo outra forma, senão começar semeando compaixão por todos os seres vivos, almejando o fim do especismo. Quem não gostar, que de meia volta. Isso não significa que devamos ser arrogantes ou maltratar as pessoas. Muito pelo contrario! Cada vez que você pensar que não gosta de gente, lembre do seu passado, das pessoas que você tanto amou e ainda ama. Pense também no amor incondicional que os animais te ensinaram. Amor e’ um sentimento que, quando conhecido, pode ser sempre escolhido. Podemos escolher ver o bem em todos os nossos semelhantes. E quando fazemos essa escolha, so’ recebemos o bem. Nunca tentou? Experimente!! Não tem coisa melhor que amar uma pessoa da mesma forma que amamos os animais. E’ mais fácil do que parece. E a gente em vez de sentir raiva, sente uma onda de amor da gente pro outro e vice-versa. Não mudamos o mundo, mudamos as pessoas. Não criticando, mas aceitando –as amorosamente. Da mesma forma que o amor dos animais nos transforma, transformamos nossos semelhantes. Desencadear uma corrente passando nosso aprendizado com os animais para os humanos, e’ o maior bem que podemos fazer pelo nosso Planeta.

Se você acha que isso tudo aqui é conversa pra boi dormir, assista ao documentario abaixo. Vou torcer para que você consiga sentir,  ao invés de compreender o que tento expressar aqui.
http://www.youtube.com/watch?v=NghzqtqP50Y